Localizado em um bairro não muito conhecido ( ainda bem ), porém de fama irrevogável, o Bira de Barra de Guaratiba é um marco na culinária de frutos do mar no Rio de Janeiro. Já rodei muito restaurante de frutos do mar, mas o Bira tem algo único, e a vista fecha com chave de ouro.
De porções fartas e preços não muito módicos, porém mais que justos, o Bira existe desde os anos 80 em Barra de Guaratiba. O filho de Dona Palmira é cozinheiro de mão cheia, a simplicidade dos pratos é o que choca. Te garanto, você nunca vai comer um filé de robalo no limão com cebolas igual ao dele.
Como começou? Tia Palmira
Dona Palmira, ou melhor Tia Palmira, como era chamada pelos amigos dos filhos, foi o primeiro restaurante famoso de Barra de Guaratiba, especializado em frutos do mar. Ela fez tanto nome, que incontáveis restaurantes de “Tias” surgiram na estrada para pegar os visitantes mais desinformados. Era tia para tudo que era lado, mas o primeiro e único sempre foi a Tia Palmira.
Guaratiba há uns 40 anos atrás não tinha NA-DA, ou quase nada. Para vocês terem uma ideia o caixa eletrônico chegou lá não tem 10 anos. As pessoas tinham que ir a Campo Grande pagar conta e fazer jogo na loteria. Nos anos 70 tinha um telefone por lá, era público e ficava na praia. Enfim, prosseguindo, Tia Palmira fazia risoles de camarão para vender tanto para os bares de Guaratiba quanto diretamente para os pescadores que chegavam do mar e Bira a ajudava a fazer a massa, ele disse que esse foi seu primeiro contato com a cozinha.
Os anos passaram e Guaratiba começou a ter várias casas de veraneiro. As pessoas iam para passar férias ou só o fim de semana. Os amigos do Bira iam para surfar e aproveitar uma hospedagem na casa da Tia Palmira, nessa época ela já fazia Pf´s ou quentinhas, que eram vendidas para o pessoal que ia passar no fim de semana por Guaratiba. Com pratos sempre deliciosos de Arroz, Filé de Cação e creme de camarão, Tia Palmira começou a juntar clientes, e a “preguiça” de lavar os pratos usados, começou a render várias solicitações para que ela abrisse um restaurante próprio onde as pessoas pudessem frequentar. E assim nasceu o famoso Restaurante da Tia Palmira.
E o Bira?
Eu tenho um carinho mais do que especial ao falar do Bira, primeiro por eu ter passado boa parte da minha infância em Barra de Guaratiba por que minha avó tinha uma casa lá, segundo que devido a isso quase todo fim de semana estávamos lá na varanda com uma das vistas mais lindas do mundo esperando a nossa caldeirada ou o peixe no bafo feito pelo Bira chegar à mesa.
Depois de casar, Bira precisava tomar um rumo para ter um certa estabilidade. Largou o negócio de pranchas que tinha com o irmão, decidiu abrir o restaurante, alugou uma casinha que era de uma amiga e começou o negócio. Ele era responsável pela cozinha, pescava e preparava os pratos, Cláudia sua esposa era quem gerenciava o restaurante, e o organizava os garçons. A casa passou por algumas adaptações para comportar o restaurante, como ele disse – “derrubei umas paredes” .
O restaurante começou com 3 pratos, com o passar dos anos outros pratos foram sendo acrescentados ao cardápio, que ainda hoje não é muito extenso, porém extremamente saboroso. Bira disse que nunca tirou nenhum prato do cardápio, mas conforme conversamos se corrigiu, o único que foi retirado, por questão de qualidade do pescado, foi o caldo de sururu, feito de mariscos, que hoje em dia Bira já não aprova mais a qualidade dos encontrados. Com o passar dos anos, e o crescimento do restaurante, Bira acabou comprando a casa da amiga e fazendo outras reformas como o deck que abriga várias mesas e tem uma das vistas mais lindas do restaurante.
Hoje em dia Bira já não pesca mais, só quando o mar está muito bom, como ele mesmo disse. O restaurante é basicamente abastecido pelos pescadores locais. De Guaratiba vem os cações, de Angra os camarões, apesar de Guaratiba abrigar o berço de vida marinha, o manguezal, ele foi tão explorado, por arrastões e pescas predatórias, que sua degradação foi extremamente acelerada. Hoje é difícil pegar camarão, vongoles, e até mesmo robalos por ali.
Falando nos robalos, eles são fornecidos pelo quilombo que fica na Ponta da Pompeba, lá na pontinha da Restinga da Marambaia. Já os coquilles de san jaque que ornam lindamente as caldeiradas, vem de uma fazenda de coquilles na Ilha Grande da área do Casteliano.
Com uma técnica toda cuidadosa para refrigerar os peixes e camarões, a qualidade do pescado é um diferencial no restaurante. Tudo é extremamente fresco. E quem conhece peixe sabe, comer um peixe fresco é completamente diferente. Bira comprou um terreno em Guaratiba para ter seu sítio, onde planta principalmente aipim e bananas, que abastecem o restaurante para fazer os pratos e a sobremesa. Em 2002 ele reflorestou parte do seu sítio, principalmente a área que abrigava uma nascente de rio, infelizmente com uma seca que teve uns anos atrás no estado a nascente secou, e ainda não voltou.
Outra característica dos pratos é o acompanhamento. Todos são acompanhados de arroz branco e farofa incrementada de dendê. Perguntei para ele da onde veio essa ideia da farofa. Ele contou que quando morou em Salvador, por volta de 76, aprendeu que comendo os pratos que levavam dendê com farofa, o tempero pesava menos, então quando abriu o restaurante resolveu, acrescentar o tempero baiano com alguns outros detalhes no cardápio.
Depois de muito conversar, o Bira me chamou para conhecer sua cozinha e acompanhar o preparo do prato que tínhamos pedido. Nada como ver quem sabe cozinha em ação, tudo parece simples e fácil. Na cozinha, hoje em dia, 3 vezes maior do que quando começou, você entende a diferença. Muitos dos ingredientes das receitas são feitos por ele como o molho de tomate e plantados no seu sítio como os aipins que entram na composição de vários pratos.
Para facilitar a produção do restaurante, hoje em dia, a cozinha principal toma conta só dos pratos, e uma outra cozinha separada gerencia os pastéis, e o café.
Os pratos preparados em panelas de barro pretas começam a tomar forma conforme esquentam nas bocas do fogão. Conforme começam a ferver, Bira vai acrescentando os ingredientes, e até saírem da cozinha as panelas não param. Você compreende a dimensão dos pedidos ao ver a quantidade de panelas empilhadas nas estantes. Os pratos saem fervendo LITERALMENTE e chegam à mesa borbulhando. Infelizmente cheiro não vem em fotos, mas posso te garantir que é divino.
Foram muitos anos sem frequentar o restaurante que ao chegar aos ouvidos e barrigas de famosos se tornou concorrido. Voltar ao Bira no fim do ano com amigos turistando no Rio, para mim foi uma volta no tempo, os cheiros, a decoração, a vista, tudo me levou para quando eu era um toquinho de gente que corria pelo corredor do restaurante ou ia passear na mata abaixo e sempre olhava a árvore que tinha sido atingida pelo raio, enquanto a comida não ficava pronta. Aquilo para mim era uma super aventura.
É claro que tantos anos depois o restaurante cresceu, mas a essência continua a mesma. Hoje ( já tem tempo mas em relação a minha memória de criança ), eles tem uma área para as pessoas esperarem a mesa ser liberada, onde você pode pedir pastéis e bebidas. A comida continua sendo servida da mesma forma, nas enormes panelas pretas, chegando pegando fogo nas mesas. Como eu disse, não se assuste com os preços dos pratos, são caros mas são muito fartos e servem 3 pessoas com fome normal, trogloditas não contam.
Outras influências
Influenciado pelo famoso Bar do Oswaldo, localizado ali na barrinha e super conhecido por suas batidas de diversos sabores. Por volta de 72, Bira resolveu criar sua própria batida para vender no restaurante da Tia Palmira. Fez duas, uma de cachaça com maracujá e outra de coco com vodka. Acabou com que a de coco que emplacou, sendo elogiada pelo próprio Oswaldo. Até hoje ela é vendida no restaurante. Infelizmente para quem vai dirigir não tem a versão sem álcool dela.
Queria agradecer o carinho com que fomos recebidos pelo querido Bira e sua filha Carol, esse clima de casa de família unida que o restaurante passa é umas das delícias do lugar. Como sempre, um prazer enorme, frequentar o Bira de Guaratiba.
Dica do Fora da Toca – Bira de Guaratiba
Chegue CEDO! O restaurante lota e você corre o risco de ficar sem mesa ou esperando um bom tempo.
Peça logo o prato principal e depois se preocupe com as entradas. Os pratos demoram cerca de 50min para ficarem prontos. Tá avisado no cardápio.
Não está no cardápio mas é uma dica de amiga, peça a batida de coco, e depois me conte como foi…
Atenção eles Não aceitam nenhum Cartão de Crédito, só débito visa e master ou $$
Informações importantes – Bira de Guaratiba
Horário Quinta Feira a Domingo e Feriados das 12 às 17 horas.
Pagamento: Não aceitam nenhum Cartão de Crédito
Cartões de Débito somente nas bandeiras Visa e Mastercard
Não Aceitam cartões ELO
Endereço Estrada da Vendinha 68 A, Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Telefone 55 21 24108304
Proibida a entrada de Animais
Tudo que vc falou ainda é pouco pra descrever o lugar e a magia do restaurante. O Bira em especial, é um capítulo a parte, dá pra ouvir as histórias o dia todo. Realmente foi um dia especial!
Sentar e ficar conversando com ele tendo essa vista do manguezal é um privilégio sem dúvidas. Sempre uma alegria poder escutar as histórias dele e aprender um pouquinho mais.